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AS FILOSOFIAS AFRICANAS E AFRODESCENDENTES
Reflexões : filosofia e cotidiano
José Antonio Vasconcelos

 

Neste capítulo:
Africanidade.
Principais. correntes da Filosofia africana.
Ubuntu e força vital.
Ancestralidade.

Você já ouviu falar de negritude? Trata-se de um termo usado para designar um movimento literário e cultural de reconhecimento e valorização da identidade negra africana e afrodescendente. O poema a seguir, do brasileiro Solano Trindade (1908-1974), é uma expressão de negritude.

Sou Negro
Sou negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh’alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gongôs e agogôs
 
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor de engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu
 
Depois meu avô brigou como um danado
nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
 
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó
não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh’alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação
TRINDADE, Solano. Sou negro. Disponível em: . Acesso em: 4 jun. 2016
 

FILOSOFIA e africANIDADE

Uma das questões mais controversas sobre o estudo das filosofias africanas consiste exatamente na possibilidade de existir uma “Filosofia africana”. Muitos autores partem de uma definição relativamente simples: a Filosofia africana é a produzida por filósofos africanos ou a que trata de temas relativos à África. Essa compreensão, porém, é insuficiente diante da complexidade do que é “ser africano”.

Em primeiro lugar, devemos reconhecer uma distinção evidente entre o norte da África e o território ao sul do deserto do Saara, também conhecido como África Subsaariana.

O norte da África recebeu desde cedo influência da Filosofia grega, devido, entre outros fatores, à fundação da cidade grega de Cirene, na região onde hoje é a Líbia. O pensamento da Grécia Antiga, por sua vez, foi influenciado em muitos aspectos pela cultura do Egito Antigo, também no norte da África.

No capítulo 5, vimos que Platão recorreu a um mito egípcio para justificar a primazia da fala sobre a escrita. Foi também no Egito que nasceu Plotino (c. 204-c. 270), um dos fundadores do neoplatonismo. Muitos padres da Igreja católica eram do norte da África, como Agostinho de Hipona, nascido em Tagaste, onde hoje é a província de Souk Ahras, na Argélia. Além deles, alguns importantes filósofos contemporâneos, como Albert Camus e Jacques Derrida, nasceram na Argélia. E alguns dos mais importantes filósofos islâmicos eram mouros, povo originário do norte da África que ocupou parte da península Ibérica durante a Idade Média.

Portanto, podemos dizer que a maior parte dos filósofos do norte da África se identifica mais com a Filosofia ocidental ou com a Filosofia oriental islâmica do que com uma Filosofia africana propriamente dita.

A África Subsaariana, ao contrário, desenvolveu um intercâmbio filosófico menor com os pensadores europeus. Isso se deve, por um lado, ao contato relativamente tardio com a Europa – somente a partir do século XVI, com a expansão marítima – e, por outro, ao caráter do empreendimento colonial de algumas nações europeias, que, colocando os povos africanos em condição subalterna, os considerava “inferiores” e “atrasados”.

Uma exceção foi o filósofo Anton Wilhelm Amo (c. 1703-c. 1759), nascido na região hoje ocupada por Gana e levado à Europa como escravo. Fez seus estudos na Alemanha e foi professor nas universidades de Halle e de Jena. Mas, mesmo nesse caso, o pensamento filosófico de Amo só foi aceito – e ainda assim sob forte preconceito – porque ele dialogava diretamente com autores europeus, não incorporando o legado cultural africano a seu pensamento.

Os debates sobre a existência e o caráter de uma Filosofia especificamente africana começam a surgir nos países da África Subsaariana somente a partir do século XX, com o processo da descolonização africana. Como esses países são de população predominantemente negra, o campo de estudos da Filosofia africana se desenvolveu relacionado a movimentos como a Diáspora Negra, a Negritude e o Pan-Africanismo, que dizem respeito a realizações culturais de afrodescendentes tanto dentro quanto fora do continente africano.

A Diáspora Negra trata do reconhecimento de uma identidade social comum a descendentes de africanos que, em sua maioria, teriam sido levados à força para o continente americano ou para o Oriente Médio como escravos. Negritude é um movimento literário de valorização da cultura negra em países africanos e em países com passado de opressão colonialista que abrigam afrodescendentes. O Pan-Africanismo é um movimento político, filosófico e social de união dos povos africanos e de afrodescendentes que vivem fora da África, em prol de ações afirmativas e que exerceu forte influência no processo de descolonização da África.

REFLETINDO

Quais são as diferenças entre o norte da África e a África Subsaariana? Quais são as consequências dessas diferenças para o desenvolvimento do pensamento filosófico no continente africano?

Há uma Filosofia africana?

Uma vez definido o sujeito de africanidade como negro, africano ou afrodescendente e herdeiro de um legado de diferentes formas de resistência à dominação colonialista, ainda é preciso definir se é possível dizer que o saber produzido por esse sujeito pode ser considerado Filosofia. O debate sobre a possibilidade de uma Filosofia genuinamente africana se desenvolveu paralelamente aos movimentos de independência das várias nações africanas. Durante a colonização, as potências europeias impunham uma ideologia de pertencimento à Metrópole. No entanto, embora fossem membros de um império colonial, os colonizados eram tratados como cidadãos de “segunda classe”.

A Colonização alterou dramaticamente o modo de vida das populações da África Subsaariana. Em primeiro lugar, foi o colonizador que trouxe o conceito de africano, que não existia até então: antes da colonização, os diferentes povos da África se identificavam como pertencentes a diferentes sociedades, reinos ou grupos tribais, e não em relação ao continente. Em segundo lugar, promoveu o despovoamento da África, com o envio de grandes contingentes populacionais para além-mar, principalmente para o trabalho escravo nas colônias europeias na América. Em terceiro lugar, o colonizador impôs uma identidade artificial, vinda “de fora”, mas não soube reconhecê-la após a independência das ex-colônias; pelo contrário, ao africano foi associado o estereótipo do primitivismo, como era impropriamente representada a África Subsaariana antes da chegada dos primeiros exploradores portugueses. Nesse sentido, o filósofo estadunidense Lewis R. Gordon comenta:

A escala das rotas de comércio na África Antiga até a Era das explorações, as grandes bibliotecas localizadas em lugares como Tombuctu ou o antigo Império Songhai, e as cidades que receberam os soldados e mercadores portugueses nas costas da África sugerem uma África muito diferente daquela predominante depois de trezentos anos confiscando seu mais precioso recurso: sua população.Gordon, Lewis R. An introduction to African Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. 24-25. (Tradução do autor.)

Lewis Ricardo Gordon (1962-) nasceu nos Estados Unidos. Graduou-se em 1984 pelo Lehman College na Universidade de Nova York. Lecionou em importantes instituições, como as Universidades de Brown, Purdue e Temple. Atualmente, é professor de Filosofia com foco nos estudos africanos, judaicos, caribenhos e latino-americanos na Universidade de Connecticut. Fundou, ainda, o Centro para Estudos Afrojudaicos.

Seu trabalho filosófico enfoca a Filosofia africana e, particularmente, as questões relacionadas ao problema da raça e do racismo, fenomenologia pós-colonial e existencialismo negro e africano. Para esse filósofo, o racismo é uma condição derivada de uma situação de hiper-racionalidade nascida da racionalidade racista. Nesta, a inferioridade racial é vista como um valor intrínseco que emana da própria “carne” do indivíduo, no caso, do negro.

Dedica-se ainda a estudos acerca do pensamento de W. E. B. Du Bois (1868-1963), sociólogo e historiador estadunidense afrodescendente, o primeiro a conquistar um doutorado pela Universidade de Harvard. Além de Du Bois, Gordon tem se dedicado a estudar o pensamento do psiquiatra e filósofo Frantz Omar Fanon (1925-1961), importante pensador afrocaribenho cujos trabalhos exerceram forte influência nos estudos pós-coloniais, na teoria crítica e no marxismo.

Um dos grandes problemas filosóficos após a independência dos países africanos, portanto, era definir o que conta e o que não conta como Filosofia africana. A etnofilosofia foi uma das primeiras e principais correntes da Filosofia africana no século XX. Para os etnofilósofos, o pensamento africano marca sua especificidade em relação ao europeu buscando dialogar com a sabedoria popular – provérbios, máximas, contos, lições de sabedoria, etc. –, principalmente a sabedoria das sociedades tribais.

As críticas à etnofilosofia não foram poucas. O empreendimento etnofilosófico esbarrava no fato de que as sociedades tribais das quais emanaria uma suposta sabedoria popular eram sociedades ágrafas, isto é, não possuíam escrita. Nesse sentido, não havia como alcançar uma interpretação africana em “estado puro”, anterior às influências exercidas pelos colonizadores europeus. Além disso, a etnofilosofia era criticada por tomar como Filosofia um saber tão diferente do que tradicionalmente conhecemos como Filosofia, que de modo algum poderia ser considerado filosófico.

Uma versão um pouco diferente da etnofilosofia é expressa pela escola da sagacidade filosófica ou sabedoria filosófica.

Enquanto a etnofilosofia se debruça sobre a linguagem em busca de uma visão de mundo subjacente a discursos não propriamente filosóficos, a escola da sagacidade filosófica busca identificar alguns indivíduos como representativos de sua cultura e dessa visão de mundo africana. É o que comenta o filósofo queniano Henry Odera Oruka (1944-1995):

Em qualquer cultura, as celebradas realizações do pensamento consistem nas ideias de seus sábios, cientistas, poetas, profetas, filósofos, estadistas, moralistas etc.

[...]

Podemos pensar na glória da cultura grega, por exemplo, sem pensar em figuras como Platão, Aristóteles e Demócrito? Quem teria alguma coisa significativa a dizer sobre a civilização e a cultura britânicas sem ter em mente figuras como William Shakespeare, Francis Bacon, John Locke e Winston Churchill? Sem as ideias dessas pessoas a cultura britânica seria uma cultura de suínos e não de mentes.

Em nosso próprio continente, África, certas mentes recentemente apareceram e parecem permanecer símbolos de luzes intelectuais da cultura africana moderna. Figuras como Nkrumah, Nyerere e Senghor deram formas e expressões especiais à cultura africana moderna, ainda que uma cultura política. No campo da literatura e da erudição em geral temos Chinua Achebe, Wole Soyinka e Willy Abraham no oeste, e Okot p’Bitek, Ngugi wa Thiong’o e Ali Mazrui no leste. Essas figuras são símbolos das luzes intelectuais das culturas africanas modernas. Naturalmente haverá muitas outras.

Oruka, Henry O. Ideology and culture: the African experience. In: Coetzee, P. H.; Roux, A. P. J. The African Philosophy reader. London: Routledge, 2005. p. 70. (Tradução do autor.)

Outra vertente da Filosofia africana é conhecida como Filosofia profissional e se define como Filosofia com base no modelo europeu. Isso não significa que os pensadores ligados a essa corrente sejam apenas comentaristas de autores europeus, mas sim que usam os conceitos e as formas de análise da Filosofia europeia para refletir sobre diversos aspectos da realidade.

Para os Akan, “verdade” se diz nokware, e o antônimo de verdade não é “falsidade”, mas nkontompo, que significa “mentira”. Com base nessa constatação, ele argumenta que a noção de verdade desse povo tem uma conotação mais moral que cognitiva e recorre à Filosofia analítica, em especial a Bertrand Russell, para explicar esse fenômeno. Ou seja, em vez de explorar mitos e crenças ou mesmo discursos de africanos notáveis, a Filosofia profissional desenvolve um modelo ocidental tradicional de reflexão filosófica sobre temas africanos.

Uma quarta escola de Filosofia africana é conhecida como Filosofia ideológica nacionalista e é representada por pensadores que buscam construir uma ideologia de emancipação política africana. É o caso do guineense Amílcar Cabral, que pensa sobre a realidade social e política dos países africanos sob uma perspectiva marxista. Em um de seus escritos, ele afirma:

[…] podemos lutar em todas as colónias portuguesas e até ganhar a nossa independência, mas se a África continuar com o racismo na África do Sul, com os colonialistas a mandar ainda, directa ou indirectamente, em muitas terras de África, não podemos acreditar numa independência a sério em África. Mais dia menos dia a desgraça virá de novo. Portanto, nós fazemos parte de uma realidade concreta que é a África, lutando contra o imperialismo, contra o racismo, contra o colonialismo. Se não temos consciência disso, podemos cometer muitos erros. […]

Cabral, Amílcar. Alguns princípios do partido. p. 17. (Mantida a grafia original.) Disponível em: . Acesso em: 4 jun. 2016.

Devemos admitir que muitos dos representantes da Filosofia ideológica nacionalista não são propriamente filósofos, mas ideólogos ou ativistas políticos. Por causa disso, são muitas vezes considerados intelectuais notáveis – e, portanto, “sábios”. Sendo assim, pode-se dizer que a Filosofia ideológica nacionalista é um tipo particular de sagacidade filosófica.

Quais são as principais correntes da Filosofia africana? Quais são as dificuldades em considerar a etnofilosofia como Filosofia genuína?

 

Ubuntu e força vital

Quando se trata de temas específicos de Filosofia africana, é preciso pensar na enorme diversidade de perspectivas. Há milhares de grupos tribais na África Subsaariana, cada um com sua língua, seus valores e seu modo de compreender o mundo. Se incluirmos como africanas as expressões filosóficas de afrodescendentes em outras partes do mundo, então esse leque se abre ainda mais.

Os temas específicos da Filosofia africana, portanto, não são africanos porque representam a africanidade em si mesma, mas porque servem de exemplo de pensamento alternativo à Filosofia europeia e estadunidense. Dentre esses temas, podemos destacar o ubuntu, termo usado em algumas línguas banto para designar a relação entre o indivíduo e a comunidade, o conceito de força vital em oposição ao conceito de ser na Filosofia tradicional.

A palavra bantu – banto, em sua forma portuguesa designa um tronco linguístico que engloba diversas línguas africanas. Esse termo também é usado para designar centenas de grupos étnicos que habitam o centro e o sul do continente africano. Uma das principais características do banto é o uso da palavra ntu, que se refere não só ao ser humano, mas também a uma força que se espalha pelo universo e que permeia pessoas, animais, plantas e objetos. Ntu faz parte de outras palavras, como bantu, muntu, ubuntu, investindo-as de outros significados.

O sociólogo brasileiro Henrique Antunes Cunha Júnior, especialista em cultura africana e afro-brasileira, assim explica o sentido desse termo:

Na raiz filosófica africana denominada de Bantu, o termo NTU designa a parte essencial de tudo que existe e tudo que nos é dado a conhecer à existência. O Muntu é a pessoa, constituída pelo corpo, mente, cultura e, principalmente, pela palavra. A palavra com um fio condutor da sua própria história, do seu próprio conhecimento da existência. A população, a comunidade é expressa pela palavra Bantu. A comunidade é histórica, é uma reunião de palavras, como suas existências. No Ubuntu, temos a existência definida pela existência de outras existências. Eu, nós, existimos porque você e os outros existem; tem um sentido colaborativo da existência humana.Cunha Júnior, Henrique A. Ntu. Revista Espaço Acadêmico, n. 108, p. 90, maio 2010.

O ubuntu é assim diretamente relacionado à existência humana e implica a noção de indissociabilidade entre o sujeito e a comunidade. Essa expressão pode ser interpretada como a descrição de um fato e, ao mesmo tempo, como uma regra de conduta: o ser humano é um ser-com-os-outros e, concomitantemente, um ser-para-os-outros.

O uso dessas expressões para definir o ubuntu pode lembrar a Filosofia europeia, em especial o pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), mas não podemos nos enganar. Ubuntu remete a uma visão de mundo especificamente africana e envolve, entre outras coisas, a noção de que o ser humano só se torna pessoa por meio de outra pessoa, o que implica o conceito de ancestralidade.

A ancestralidade é um dos conceitos-chave para compreendermos a Filosofia afro-brasileira. Para o filósofo e educador Eduardo Oliveira, a ancestralidade, que não se confunde com o parentesco, é um elemento fundamental da identidade afrodescendente no Brasil e para o ensino dessa cultura.

A ancestralidade, inicialmente, é o princípio que organiza o candomblé e arregimenta todos os princípios e valores caros ao povo de santo na dinâmica civilizatória africana. Ela não é, como no início do século XX, uma relação de parentesco consanguíneo […]. Posteriormente, a ancestralidade torna-se o signo da resistência afrodescendente. Protagoniza a construção histórico-cultural do negro no Brasil e gesta, ademais, um novo projeto sociopolítico fundamentado nos princípios da inclusão social, no respeito às diferenças, na convivência sustentável do Homem com o Meio Ambiente, no respeito à experiência dos mais velhos, na complementação dos gêneros, na diversidade, na resolução dos conflitos, na vida comunitária entre outros. […]Oliveira, Eduardo. Epistemologia da ancestralidade. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2016.

As implicações políticas do ubuntu são bem evidentes. A relação de pertencimento a uma comunidade serve como fator de reconhecimento de identidades sociais africanas após a negação da identificação com as nacionalidades europeias no processo de descolonização da África. Mas o ubuntu possui também implicações metafísicas, remetendo a uma concepção africana sobre a natureza da realidade: a força vital. O conceito de força vital no pensamento banto foi apresentado pela primeira vez pelo belga Placide Tempels (1906-1977) nos termos de uma etnofilosofia. Por não ser africano, seu olhar sobre o pensamento banto é limitado e foi criticado pela metodologia pouco rigorosa. Entretanto, uma ideia básica de Tempels foi retomada e aprofundada por diversos filósofos africanos: a de que o conceito de força vital seria um correlato da noção de ser na Filosofia europeia. O filósofo luandense Alexis Kagame (1912-1981) associa a raiz ntu a quatro categorias fundamentais do pensamento banto: muntu designa o ser dotado de inteligência; kintu refere-se ao ser não inteligente; hantu é o termo usado para o contínuo espaço-tempo; e kuntu é a categoria de modalidade. Trata-se de uma concepção dinâmica e intimamente relacionada às concepções religiosas africanas.

REFLETINDO

De que forma o ntu nas línguas banto contribui para uma visão de mundo não individualista? Que relação podemos estabelecer entre a força vital relativa ao ubuntu e o conceito de ser na Filosofia europeia?

 

saiba mais

Crítica da razão negra

A Crítica da razão pura (1781), de Immanuel Kant, é tida como uma das obras basilares do pensamento e da epistemologia modernas. Nela, Kant buscou traçar e explicitar as possibilidades humanas de conhecer.

Em uma referência explícita a essa obra, o filósofo e cientista político camaronês Achille Mbembe (1957-) apresenta seu entendimento acerca da negritude diante da modernidade e das questões sobre alteridade no cenário mundial do início do século XXI. Tendo como referenciais teóricos o desconstrutivismo, o pós-estruturalismo, a fenomenologia e o pensamento de Gilles Deleuze, Mbembe defende a noção do “devir-negro” do mundo. Para ele, o pensamento europeu sempre adotou a identidade como a relação do mesmo com o mesmo, isto é, o ser em seu próprio espelho, e não como uma relação de pertença mútua ao mundo. Diante dessa lógica de autocontemplação e enclausuramento, o negro e a raça têm, para a cultura europeia, significado a mesma coisa. O negro é sempre aquele que vemos quando nada se vê, quando nada queremos compreender, libertando, assim, dinâmicas passionais e irracionais. Essa irracionalidade refere-se também a judeus, mongóis e chineses, que compõem o delírio da visão eurocêntrica e branca. Assim, toda a humanidade “subalterna” correria o risco de se tornar “negra”, de se tornar aquele que se vê quando nada vemos. É a esse processo de “enegrecimento” dos homens em situação de desigualdade que Mbembe chama de devir-negro do mundo.

com a palavra

A CIENTISTA DA RELIGIÃO

O texto a seguir é um trecho de um artigo da psicóloga Brígida Carla Malandrino, pós-graduada em Ciências da Religião.

A captura e a separação da família alargada e nuclear desestruturam visceralmente a pessoa de tradição bantu, que perde, nesse momento, a possibilidade de dar continuidade à participação vital, uma vez que foram rompidos os laços de solidariedade vertical e horizontal. […]

Já no que diz respeito ao território, para o bantu, ele demarca o espaço da estrutura social. A terra é um aspecto do grupo. Cada família alargada e cada clã possuem territórios bem delimitados. [...] O vínculo com a terra serve de elemento de união à comunidade de sangue ou parentesco. […] A inserção do grupo no espaço fortifica a coesão, a solidariedade e a consciência comunitária. Ao sair da terra rompe-se a participação coletiva. Caberia perguntar […] como se reestrutura a relação com a terra antes do embarque, durante a estada nos barracões e após a travessia, quando se chega às propriedades dos senhores.

Malandrino, Brígida Carla. Espaços de hibridações e de diálogos culturais: o caso Bantu. Revista de Estudos da Religião, p. 7, mar. 2009.

1. Quais são os dois aspectos da religiosidade dos banto tratados no texto?

2. De que modo as crenças religiosas dos povos banto dizem respeito aos estudos filosóficos africanos contemporâneos?

3. A escravidão teria significado uma ruptura total com as crenças e a visão de mundo africanas? Justifique.


diálogos

QUANDO “SER NEGRO” PODE SER MERCADO

A ideia de uma cultura propriamente africana e, em decorrência, de uma Filosofia africana é necessária e legítima. No entanto, cuidados devem ser tomados. Vivemos em um mundo capitalista e o capital a tudo abraça, a tudo coopta. É, à semelhança de um buraco negro, algo que suga e traz para si tudo o que existe ajustando as coisas à sua própria lógica. Note a profusão de produtos “étnicos”: revistas para negros, maquiagem para negras, roupas com estilo africano. A indústria da “africanidade” não conhece limites e a todo momento há novos lançamentos de produtos, dos mais variados tipos e para as mais diversas “necessidades”. O capital é capaz de transformar lutas e ideias necessárias e legítimas em nichos mercadológicos. Como não sucumbir diante dessa imensa “fábrica”?

Um caminho seguro para não cair nessa malha que naturaliza todas as coisas por meio de uma abordagem a-histórica é justamente historicizar a questão de ser africano ou afrodescendente. Recusar a “africanidade” como estratégia de mercado pelo conhecimento e estudo da história da África, sua cultura, seus processos de colonização e independência, a escravidão e as condições de abolição constitui-se em um meio crítico e consciente para julgar aquilo que é pertinente e separar daquilo que não passa de oportunismo de mercado. E mais: buscar conhecer os estudos sociológicos que tratam não apenas das questões étnicas, mas de seus desdobramentos nos dias atuais, dá a você condições de perceber essas problemáticas de maneira mais clara.

Pois bem, justamente por conta da presença massiva do arsenal mercadológico e das incansáveis propagandas acerca do que significa “ser negro” dentro dessa lógica banalizadora e redutora do pensamento, há que se refletir. Por meio da atitude filosófica, do estudo e do conhecimento, é possível vislumbrar a possibilidade de assumir um posicionamento de maneira consciente e crítica.

lendo filosofia

O ESTEREÓTIPO DO PRIMITIVISMO

Leia texto a seguir, do filósofo estadunidense Barry Hallen (1941-), especialista em história da Filosofia africana, e depois responda às questões.

A caracterização das culturas nativas da África pré-colonial como de caráter significantemente a-histórico já foi descartada como comprovadamente falsa. O significado da palavra “primitivo”, como foi originalmente utilizada por não africanos para tipificar as culturas da África, era o de que essas culturas poderiam servir como exemplos contemporâneos de como os seres humanos viviam em tempos primordiais, “antes” da história escrita.

Esse estereótipo falso teve profundas consequências para o status da África em face da Filosofia como empreendimento internacional. Não se acreditava que sociedades humanas em “estágio inicial” em qualquer parte do mundo tivessem desenvolvido a capacidade definitiva de reflexão intelectual dessa disciplina supostamente sofisticada. Sendo assim, culturas nativas da África foram, em princípio e de fato, desqualificadas para ocupar um lugar na arena filosófica.

Foi forte e prolongada a reação de muitos filósofos, acadêmicos e intelectuais africanos a esse tipo de implicação cognitiva, falsamente a-histórico e profundamente ofensivo. O fato de que as consequências desses esforços só tenham sido recentemente reconhecidas na academia ocidental provavelmente seria mencionado por esses mesmos pensadores africanos como uma evidência a mais do quão profunda foi a influência dessa caricatura aviltante das culturas africanas para o resto do mundo e, em alguns casos, para os próprios africanos.Hallen, Barry. A short history of African Philosophy. Bloomington: Indiana University Press, 2002. p. 3. (Tradução do autor.)

1. De que forma o estereótipo de primitivismo prejudicou a Filosofia africana?

2. De que modo podemos superar os preconceitos em relação à cultura africana mencionados pelo autor do texto?

 

 

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